Foi lançado em DVD, o filme do francês Robert Bresson, de 1962 sobre o processo que culminou na morte da heroína francesa. Bresson foi um dos maiores gênios do cinema contemporâneo, realizou filmes memoráveis como Pickpocket e Um Condenado à Morte Escapou, além deste Procès de Jeanne D'Arc.
Bresson cultivava a idéia de trabalhar com atores desconhecidos, que ele chamava de "modelos", assim, na opinião dele, o filme se compreendia de maneira mais real. Quem interpreta a Joana de Bresson é a completamente desconhecida Florence Delay.
Este filme, diferente de muitos que retratam a vida e a morte da santa, mostra apenas o julgamento, prisão e execução baseado nos autos do processo. Bresson só coloca em seu filme o essencial, nada do que "poderia ter acontecido", ele é fiel aos documentos históricos. Por isso a fita tem a duração de apenas 65 minutos.
Eu já assisti cerca de 6 filmes realizados sobre Joana, e este ao lado do filme mudo de 1928, "A Paixão de Joana D'Arc" de Dreyer são com certeza os mais fiéis e importantes ao contarem o martírio dessa que é uma das figuras mais importantes da história da humanidade.
Joana, a moça/soldado, a herege/santa, a donzela virgem/homossexual é motivo de fascinação até os dias de hoje exatamente por tantas contradições em relação à sua imagem. Mas, porque tanta fascinação? Se olharmos os fatos com cuidado, encontraremos o seguinte: a brevidade de sua carreira, sobretudo os aspectos vitoriosos, Joana teve sucesso militar durante menos de 6 meses, foi soldado ativo por pouco menos de 1 ano, foi por mais tempo prisioneira do que guerreira. Morreu aos 19 anos. Uma breve carreira e, pelos padrões comuns, malsucedida. Por que então nos lembramos dela?
Não a lembramos como um tipo de vítima. Lembramos dela como alguém que nada reteve; veio do nada e deu tudo, postou-se contra aqueles muito mais bem-dotados que ela. Era analfabeta, e mulher.
Sempre precisamos de alguém como Joana, alguém que nos desinfete de nossas tendências vergonhosas ou mesquinhas. Se podemos amá-la, não somos um povo que odeia mulheres. Se podemos chamar de triunfo a sua morte, não somos oportunistas, papadores de aposentadorias que medem o sucesso apenas pelo que parece dar certo. Se nos dedicarmos a ela, somos criaturas superiores ao que sugere a maneira como vivemos. Precisamos dela como a heroína de nossos melhores eus.
Mas, a parte que eu mais gosto de Joana e que é retratada com genialidade por Bresson é a parte menina, já que era isso que ela era. Uma menina que lutou pela sua crença e sua fé, uma menina que tinha medo de morrer, que tinha medo da fogueira, que chorava, que muitas vezes não sabia o que fazer ou dizer. Essa é a parte mais humana, é o aspecto humanizante da santa francesa.
Joana D'Arc era tudo isso, e por isso é lembrada e cultivada até hoje.
Na falta de heróis modernos, ficamos com aqueles que já conhecemos bem, pois precisamos de heróis, mais do que isso, precisamos de heróis que choram.
Esse texto foi publicado originalmente no "Caderno de Cinema".