sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Morte é tudo e não é nada

Mais uma vez, como se fosse sina, me deram pra ler mais um livro do psicoterapeuta Irvin D. Yalom, e como toda capa desse autor, vem escrito: do mesmo autor de Quando Nietzsche Chorou.
Ok, sem entrar, mais uma vez, no mérito se tal livro é bom ou não (minha opinião ficou bem clara em outro post), resolvi dar mais uma chance - já dei três - para o Dr. Yalom e ler esse que foi nomeado de: "De frente para o sol - Como superar o terror da morte". E já tenho problemas com o título do livro, primeiramente me soa como livro de auto-ajuda, e depois porque não acredito que o terror da morte se supere.
Mas estava lendo os primeiros capítulos e já me deu vontade de escrever sobre as minhas primeiras impressões: O fato é que todos nós morreremos e que ninguém sabe lidar concretamente com a angústia de não pertencer mais a este mundo, de imaginar o que não pode ser imaginável, porque não há em nós memórias - conscientes ou inconscientes - a respeito de morrer (E Freud já sacou isso), porque ainda estamos vivos. Não há registros, nem impressões. O que existe é medo, é fobia, são síndromes denominadas "angústias de morte".
Yalom cita o conhecidíssimo e reconhecidíssimo filósofo alemão Heidegger e sua contribuição com uma das dialéticas mais conhecidas no mundo da filosofia: Há dois modos de existência; o primeiro é o cotidiano, em que você está interagindo e integrando no ambiente de maneira satisfatória e o segundo: o modo ontológico, que é a concentração da pessoa naquilo que ela é. E existe de fato uma diferença abismal entre como as coisas são e o que são. Nós, seres humanos falhos nos distraimos bastante na obtenção de poder, dinheiro, satisfação sexual, mas isso não é o que somos. A nossa distração é para fugirmos daquilo que nos importa: a consciência da existência, da mortalidade e características imutáveis da vida, "como também fica mais ansioso e inclinado a propiciar mudanças significativas".
E é nessa parte em especial que eu tenho que dar a mão à palmatória e concordar com o Dr. Yalom: Muitas histórias de mudanças dramáticas e duradouras catalisadas pela confrontação da morte pode fazer do sujeito uma pessoa melhor, mais dedicada à fenômenos humanos que realmente interessam e valem a pena. Reorganizam suas vidas e suas prioridades, descartando as banalidades e superficialidades da vida e adquirem o poder de escolher não fazer as coisas que de fato não querem fazer. Comunicam-se mais profundamente com as pessoas que lhes fazem bem e neste momento, o poder, o dinheiro, a carreira já não são tão importantes ou nada importante.
Quando você trabalha com pacientes terminais, como eu trabalhei, você ouve relatos de uma diminuição do medo que tinham de outras pessoas, maior disposição de se arriscar, de amar e menor preocupação em relação à rejeição. Assim como Freud sugeriu que os melancólicos (e que isso era realmente uma pena) entendiam e tinham consciência plena do funcionamento da vida apenas por estarem doentes, os pacientes só conseguem dar valor as coisas fundamentais quando estão morrendo.
A verdade é que não podemos mudar o nosso destino final, mas podemos mudar a vida enquanto temos saúde (não precisamos estar doentes) para termos necessariamente essa percepção.
A angústia da morte existe e é inerente ao ser humano, psicológicamente não há muito o que fazer, há alívios imediatos, mas não duradouros. Então, com poucas discordâncias, Irvin D. Yalom está conseguindo me surpreender nestes primeiros capítulos de seu livro.
E as minhas duas futuras esperanças: que o livro continue seguindo esse rumo e que o psiquiatra, terapeuta e escritor desista de escrever livros ficçionais e foque mais em sua experiência clínica.
E vambora viver decentemente antes que seja tarde demais.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Para K.

“Sou cheia de manias. Tenho carências insolúveis. Sou teimosa. Raivosa, quando sinto-me atacada. Não como cebola. Não imponho a minha pessoa a ninguém. Não imploro afeto. Não sou indiscreta nas minhas relações. Tenho poucos amigos, porque acho mais inteligente ser seletivo a respeito daqueles que você escolhe para contar os seus segredos. Então, se sou chata, não incomodo ninguém que não queira ser incomodado. Chateio só aqueles que não me acham uma chata, por isso me querem ao seu lado. Acho sim, que, às vezes, dou trabalho. Mas, é como ter um Rolls Royce: se você não quiser ter que pagar o preço da manutenção, mude para um Passat.” Fernanda Young.
E eu escolho ser sua amiga, porque somos duas chatas que não imploram afeto. E eu sempre gostei de manutenção.
Beijo, querida minha.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Para dormir melhor




Então é você
que bem antes de mim
diz o que eu queria dizer
tão bem quanto eu diria.
E quem diria?
ainda melhor
Acho que teu nome é poesia
e por isso todos te chamam
Então é você
tua simples presença
preenche a minha existência
me faz ver o que eu não via.
E quem diria?
ainda melhor
Acho que teu nome é vida
e por isso todos te querem
Então é você
que quando fala
instala a compreensão
de tudo que eu seria.
E quem diria?
Ainda melhor
Acho que teu nome é amor
e por isso todos te amam
E quando todos te chamam
quem sou eu pra não chamar?
E quando todos te querem
quem sou eu pra não querer?
E porque todos te amam
“eu sei que vou te amar”. ALICE RUIZ
Essa poeta deveria ser levada muito mais a sério do que realmente ela é! Genial!!

sábado, 15 de novembro de 2008

Freud, metafísica, religião e Arquivo X




Comprei as primeiras três temporadas de Arquivo X e enquanto assistia um dos episódios, minha irmã entrou na sala e perguntou: "Afinal, o que aconteceu no final da série, os eventos paranormais foram explicados?". Respondi que não, poucas respostas e muitas perguntas. Ela me fez uma cara de que eu perdia o meu tempo assistindo algo que não tem final.
Pois bem, ao mesmo tempo de re-assistir os episódios, ganhei de uma amiga, minha querida Gean, um livro que ela me enviou por correio. O livro chama-se "Freud ética e metafísica, o que ele não explicou", de Olimpo A. Pegoraro.
O livro é uma discussão de idéias sobre dois dos textos mais importantes e interessantes de Freud: O futuro de uma ilusão (1927) e O mal-estar na civilização (1930). O primeiro trata do futuro da religião e o segundo, da civilização comtemporânea.

Transcrevo um pequeno trecho: "Em síntese, a ciência e a ordem social tendem para a criação desta prosperidade. O grande obstáculo está no homem, portador de tendências inatas destrutivas, anti-sociais e anticulturais".
Isto é, o controle e a repressão dos instintos humanos torna-se a regra da vida civilizada.

Mas o que há de comum numa série televisiva e uma obra de metafísica?
Etimológicamente, metafísica significa "além da física", além do que se pode comprovar com experimentos científicos, incluíndo as grandes ciências como a física, a química e a biologia, amparadas pelas ciências humanas como a psicologia, a economia e a antropologia.
Filósofos importantes como Heidegger, Husserl e outros, foram adeptos em não estudar aspectos metafísicos porque não saíriam de círculos viciosos, não haveria respostas adequadas para uma ajuda efetiva à civilização ou mesmo à subjetividade humana.
Em Arquivo X, nos deparamos com situações metafísicas, inexplicadas pela ciência. Não quer isso dizer que eventos paranormais, vida extraterrestre e conspirações governamentais não possam existir. Apenas não há explicações que possam corroborar isso. Como diz Freud: "Nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar podemos conseguir em outro lugar".

E é essa toda a graça e interesse que manteve toda uma gama de telespectadores assistirem ao programa por 9 anos.
Não há explicações, há fatos naõ explicados que ocorrem diariamente e que podemos acreditar, mas isso teria outro nome: fé. Mas o criador da série Chris Carter é tão esperto que ele não caíria numa dessas armadilhas de explicar fatos que cientificamente são engodos.
"A verdade está lá fora"? Pois bem, provem!
"Eu quero acreditar". Todos nós queremos, mas as pessoas que se questionam a cerca de acontecimentos diários precisam de provas.

Para encerrar, cito mais um trecho do livro: "Assim é a ilusão: não tem compromisso com a realidade, não dá valor à verificação objetica (científica). Fica, assim, por isso, respondida a pergunta sobre o valor objetivo da religião: valor nulo, porque se situa fora e além do campo da prova, fora do âmbito científico que lida com afirmações e retificações sobre a realidade".

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

What the hell?

Baby, it's could outside.
E eu repito isso tantas e tantas vezes porque quero acreditar que esse frio não é aqui dentro de mim, não é no meu peito, não faz parte do meu coração que bate acelerado sem motivo.
Tantas e outras muitas vezes acendo o cigarro, olho pela janela mas não vejo nada além do óbvio.
Mas conheço as razões dos meus lábios não beijarem como antes, do meu coração não bater como antes, dos meus olhos não reconhecerem coisa alguma e algumas vezes repito pra mim: "abra los ojos, open your eyes". Mas eu não desperto.
"É que estou sozinho há tanto tempo que eu já me esqueci o que é verdade e o que é mentira em volta de mim".
Eu sou a mulher no escuro agora, esperando algo externo que me faça entender, que me faça suspirar por mais de 5 minutos, que me faça acreditar que alguma coisa faz sentido nessa vida sem sentido e caótica, desesperada onde pessoas são tratadas com mentiras, são apropriadas, desalojadas do próprio abismo pessoal.
Mas eu continuo repetindo: Baby, it's could outside. I wanna hear what you want. What the hell do you want?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Muito além do ponto


Uma amiga, psicóloga, pediu que eu a supervisionasse num caso em que ela está trabalhando. Aceitei querendo não aceitar, porque depois de algum tempo você entende que por mais que os casos sejam diferentes, eles são todos iguais.
E esse não era diferente, não era excepcional, nem mesmo difícil teoricamente, mas mexeu comigo, porque consegui vizualizar cada sensação, motivações e desespero desse homem, menino ainda, 30 anos, homossexual, completamente apaixonado por alguém que não o quer mais, que o trata mal, que fecha a porta de casa na sua cara, que lhe deixa esperando na chuva, molhado, com uma saúde debilitada. Consigo enxergar esse menino na chuva, chorando, soluçando e implorando um futuro conjunto, um amor, um carinho, ou apenas um olhar.

Tudo bem, ninguém morre de amor, certo? Não, mas morre-se aos poucos de desesperança, de desassossego, de tristeza, disso se morre. E o irônico é que agora à noite eu estava lendo um livro do Paul Auster que diz exatamente asim: "Betty morreu porque estava com o coração partido. Algumas pessoas riem quando escutam essa frase, mas isso é porque elas não conhecem nada do mundo. Pessoas morrem porque estão com o coração partido. Acontece todo dia e vai continuar a acontecer, até o fim dos tempos".
Então solenemente prometi para minha amiga que vou mergulhar no caso para tentar, com ela, salvar um homem que eu desconheço, mas que em imaginação, já é meu amigo, daqueles que a gente coloca no colo e faz um afago, e diz coisas bonitas e abraça e beija e chora junto.
Mas a minha conexão, a minha transferência com o caso, talvez - pelo menos de maneira manifesta - é a de que a estória desse paciente me lembrou muito um personagem de um conto do Caio Fernando Abreu, e que é sem dúvida um dos meus preferidos. E nessa mistureira de sensações eu já nem sei se quero ajudar o personagem ou a pessoa, ou, se ajudando de alguma maneira, eu consigo ajudar a mim mesma, porque tratar do desespero do outro, do desassossego do outro, da tristeza do outro, é tratar suas próprias feridas.
Não, a Psicologia nunca foi altruísta...

E para quem possa interessar, colo o conto do Caio (autor que eu tinha acabado de falar nesse blog) e que se chama, "Além do ponto".


Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso.
Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos.
Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era.
Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto.
Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito.
Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta.
Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora.
E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.

domingo, 2 de novembro de 2008

Saudade mata a gente, menina...

Amanhã é a data do seu desaparecimento, e eu nunca sei bem lidar com isso.
Você perdeu hoje o pôr do sol e a chuva fina que caiu ontem. Durante o dia as pessoas brincavam e pela noite se amavam.
Perdeu a imensidão azul do céu e das ondas do mar.
Não viu as faces coradas de felicidade nem as faces distorcidas pela dor. Não pôde reclamar da falta do que fazer e não pôde fazer algo belo.
Deixou de assistir belas imagens projetadas em telões, a música com sua perfeita simetria ou com um berro desesperado.
Resumidamente para você entender: Você perdeu uma infinidade de coisas, sejam elas belas ou doloridas, o sorriso ou o choro, a palavra de alívio ou a falta do que dizer.
E será que estou perdendo muito? Enxergo as coisas e você que ganhou o infinito?
O tiro estúpido queimou o coração, calou a sensibilidade, arrancou a alegria da menina loirinha que um dia olhou pra mim e disse que gostava do brilho dos meus olhos (o brilho sumiu). Quando toco imaginariamente o seu corpo, sua face, só sinto o frio de um corpo que um dia eu abracei.
Irmãzinha, se eu pudesse, eu te daria o meu coração, se conseguisse olhar-me no espelho e ver a sua face, eu assim o faria.
Quem sabe um dia eu saiba falar a sua língua para poder compreender melhor, e aí, quando eu aprender, você fala comigo?