quinta-feira, 16 de agosto de 2007

As Terras Estrangeiras de Sofia Coppola

A diretora norte-americana Sofia Coppola dirigiu três filmes: "As Virgens Suicidas" em 2000, "Encontros e Desencontros" em 2003 e "Maria Antonieta" em 2006. São filmes bem distintos e ao mesmo tempo parecidíssimos na temática.
O olhar de Coppola é um olhar feminino sobre as mulheres e sobre o mundo caótico e vazio que elas pertencem. Maria Antonieta, a última rainha da França é lembrada fortemente por ter sugerido ao povo faminto francês que comesse brioches, já que não havia pão, e por conta de desatinos como esse, teve a cabeça decepada pela guilhotina na Revolução Francesa, mas parece que tais fatos não são importantes para a diretora, que não os mencionam. Sua lente registra a menina/mulher antes da delfina/rainha. Maria Antonieta, austríaca, saiu de casa e se casou aos 15 anos com o delfim francês que se negava a ter relações sexuais com a esposa e acabou numa vida de festas, intrigas e luxúrias da corte francesa. Sua vida luxuosa e dispendiosa é mostrada com suprema perícia por Sofia, assim como sua completa alienação em relação aos problemas do povo e das implicações políticas de seus atos. Mas é uma visão acima de tudo, simplesmente humana. Assim também é retratada Charlotte de "Encontros e Desencontros", tão humanizada perante seus medos e seus vazios existenciais. Charlotte está perdida na cidade de Tokyo, mas não essencialmente perdida no idioma, mas em si mesma; Ela poderia estar em qualquer lugar do mundo e continuaria perdida.
As virgens moram em casa com os pais, num ambiente que supostamente deveria ser aconchegante e acolhedor, mas acabam se matando. Embora recebam uma educação ultra-conservadora, seus pais, contudo, são pessoas que achamos aos montes em qualquer lugar do mundo. Coppola não quer estabelecer uma identificação mais profunda do espectador com o cotidiano das meninas, porque seu drama é observado à distância, por quatro rapazes da vizinhança. É como se ela quisesse lembrar que não está julgando fatos, apenas descrevendo vidas. Perene em seus filmes, existe a urgência em compartilhar suas histórias, que são nossas histórias, algo raro nos dias de hoje, cuja única urgência dos filmes é aliviar a carteira de otários.
O olhar feminino é um olhar raro no cinema. Mais raro ainda é encontrar nesse olhar um carinho autêntico pela condição humana, que valoriza as questões do segundo sexo sem os excessos do feminismo raivoso, colocando a mulher no centro do universo sem atirar o homem num subúrbio mal-cheiroso.
Sofia Coppola só (só??) transporta para a tela o estrangeiro que vive em cada um de nós.

"Meu corpo é um estrangeiro a quem levo pão e água diariamente". Murilo Mendes.

4 comentários:

Mila disse...

Mais raro do que o olhar feminino no cinema é este tipo de olhar sobre a obra da Coppola.

Parabéns, minha querida.

Unknown disse...

O que eu me identiico com vc são os temas que vc escolhe.
Não são batidos, chatos e didáticos como de outras psicólogas.
Esse da Coppola é simples e bonito.

Nina disse...

Era tão bacana falar com você sobre os seus olhares tão peculiares sobre determinadas coisas com as quais me identifico. Saudades Mara, muita.

Anônimo disse...

Dos três filmes da diretora vi o 'Enconcontro e desencontros' que achei interessante mas não empolgante!Já que o sexo é tão gritante no mundo humanoe biológico em geral,porquê o 'Encontros.." ficou sem sexo?Bem.. uma questão: Será que temas existênciais dão bons filmes!?Farei uma comparação(não sei se justa)'Apocalypse Now' do pai de Sofia,no meu entender é um filme 'intimista e 'existêncial'mesmo tratando de um assunto tão coletivo quanto a guerra,não pode ser descrito como um filme interessante,é um filme visceral, abissal!
Mas como vc falou é raro um olhar feminino(Sem ser estereotipado), dou a maior importância pra Sofia e assim que puder vou conferir os outros dois filmes!