quinta-feira, 24 de julho de 2008

Eu sei do que você está falando


Miranda July é norte-americana e pouco conhecida aqui no Brasil. Além de escritora, é artista performática e cineasta. Escreveu, dirigiu e protagonizou seu primeiro longa-metragem: "Eu, você e todos nós" que chegou a ganhar prêmios em Sundance e Cannes.
Seu livro de contos "É claro que você sabe do que estou falando" foi lançado por aqui pela editora Agir; como disse um colega, a capa é meio esquisita e a editora não é das melhores, mas o livro é.

Eu em livrarias funciono meio diferente da maioria das pessoas, não vou com um título pronto ou autor na cabeça, um dos meus maiores prazeres é vasculhar as estantes em busca de algo que eu desconheça e me atraia, e foi assim que eu achei o livro de Miranda, escondidinho entre tantos outros. Já havia lido uma crítica à respeito dele na revista Istoé, mas acabei me esquecendo, por sorte o livro me achou.
O livro de 187 páginas apresenta 16 contos. E que contos...
Alguns críticos como o Time Out London e o The Independent encontraram leveza e diversão na escrita de July, mas não se enganem, a comicidade é apenas superficial e muitas vezes incômoda. A escritora apenas joga algumas piadinhas para que o livro possa ser lido, para que a angústia e a profundidade de vidas comuns e ordinárias não nos assuste tanto. E esses diversos personagens são tão parecidos com nós - e quando eu digo "nós", digo da condição humana - já que nossas fantasias podem ser incríveis e loucas, mas nossas vidas reais não passam de uma incômoda sensação de vazio.

Uma professora de natação - sem piscina - para idosos, uma mulher que sonha em fazer sexo com o príncipe britânico, a esposa que prefere que sua casa seja assaltada a continuar a vida pacata e chata ao lado do marido, o homem de meia-idade que cansa de procurar a mulher ideal e se joga nos braços de outro homem, as mulheres que se reúnem para conseguirem ser ouvidas, a menina que foge com a namorada - que não a ama - e se prostitui para pagar o aluguel, o homem que namora a própria filha, todas essas pessoas das histórias de Miranda podem ser nossos vizinhos, nossa mãe, nossa irmã ou nós mesmos.

Nada disso me assusta, me traz comoção, pena, sentimento de impotência e alguma desordem emocional, mas a verdade é que essas histórias nada diferem das outras histórias que eu ouvia no meu consultório, são apenas maneiras diferentes de encarar a dor e o sofrimento humano.
Se tudo é a mesma coisa, por que eu achei o livro extraordinário? Primeiro porque a linguagem da escritora é devastadora e ao mesmo tempo, encantadora, grosso modo, ela sabe escrever. Segundo: porque não há nada mais gratificante com o passar dos anos do que se identificar com as loucuras, os delírios, as tristezas e a solidão dos outros, isso faz com que a gente se sinta menos sozinhos na nossa solidão, no nosso caos, no nosso abismo, no poço que só vai ter fim quando a gente fechar os olhos de uma vez por todas.

Então Miranda, é claro que eu sei do que você está falando.


"Digo a mim mesma que unhas compridas igual a riqueza; a idéia de riqueza sempre me acalma. Finjo que sinto cheiro de perfume. E se nós todas usássemos xampus caros? E se estivéssemos o tempo todo brincando e não tivéssemos com que nos preocupar? Minha cabeça relaxa e eu faço o exercício em que a gente imagina que está se transformando em mel. Minha mente diminui a velocidade até um ponto que não seria considerado funcional para qualquer outro emprego. Só estou viva em um a cada quatro segundos, só registro quinze minutos a cada hora. Vejo que ela está de pé atrás de nós só de calcinha e ela não é muito limpa e eu morro. Vejo que Pip está tirando os sapatos e morro. Vejo que estou apertando um mamilo e morro". Em "Alguma coisa que não precisa de coisa alguma".

6 comentários:

Fernando Bassat disse...

Mudou um pouco o blog. Gostei!
Eu nunca tinha ouvido falar nessa mulher e fiz uma busca no google e até apareceu um monte de coisas sobre ela, acho que o alienado aqui sou eu.
Vou atrás do livro e depois te falo o que eu achei.
Beijos diva.

Lara Rodriguez disse...

Não consigo entender a lógica de v. realmente gostar de uma marginalização social.
Eu não me sinto menos sozinha só porque me deparo com outras pessoas sozinhas e tristes.
Pra mim a tristeza é apenas tristeza, não é alívio.

Valentina disse...

Querida minha,
devorei o livro e ainda pensando nele, quero discutir algumas coisas pessoalmente (é sempre mais interessante)
Os dois contos que me abalaram mais foram "As Irmãs" e "Alguma Coisa que não Precisa de Coisa Alguma".
O primeiro é de uma insatisfação brutal com a vida e não deixa de ser uma brutalidade o que ele faz com ele. Mas entendo que o ato de esperar pode ser frustrante, esperar uma mulher melhor, um trabalho melhor, uma vida melhor. Uma super chatice.
E o segundo? Cara, acho que ela não consegue visualizar a própria dor e o abismo que se meteu, é uma criança com todas aquelas idealizações infantis. De dar nó na garganta.
Amei! E o site dela, muito incrível.
Mais uma vez obrigada pela dica.
Muitos beijos.

Dani Baroni disse...

Oi amiga,

que puts texto interessante, como tantos outros... Mas esse teve um "q" diferente...
Bem, eu tb sei do que vc está falando e ando na fase que vc descreveu tão perfeitamente na frase: "nossas fantasias podem ser incríveis e loucas, mas nossas vidas reais não passam de uma incômoda sensação de vazio".
Enfim, é bom encontrar companhia na solidão, ainda que seja em um texto a respeito de um livro que não li.
Grande beijo!

Anônimo disse...

O filme da Miranda (Eu, Você e Todos Nós) é comentário do blog Me Leva Brasil do Mauricio Kubrusly do Fantástico. Ele também cita o livro tem até o link para a leitura do primeiro conto do livro: "O Quintal Compartilhado".

http://especiais.fantastico.globo.com/melevabrasil/2008/07/14/eu-voce-e-todos-nos/

Helena disse...

Adorei ler um pouco no seu livro, o seu livro que você rabiscou todo, de todas as cores, sublinhando o que te tocava, não sei se ele me tocou porque realmente é bom, ou porque me tocou porque TE tocou tanto.
Obrigada querida.
Muitos beijos.