Antigamente, num passado não tão longínquo, eu imaginava e sonhava e desejava tantas coisas - admito que a maioria eram bem utópicas - porque as pessoas queridas imaginavam e sonhavam e desejavam muitas coisas pra mim. Sempre ouvi repetidas vezes de familiares, professores e amigos que eu tinha potencial, que eu era inteligente e que ia me dar bem na vida.
Hoje não sei nem o que é potencial e muito menos o que é "me dar bem". Tentei inúmeras coisas em todas as áreas da minha vida, profissionalmente quis ser bombeiro, astronauta, policial, filósofa, psicóloga, florista, vendedora de livros, escritora de livros, marginal, bandida. Mas não sei bem levar a vida nem vivendo de maneira "normal", quanto mais vida bandida.
Amorosamente, nunca sonhei em constituir casinha com cerca branca, filhos e cachorros no quintal. E não é que eu não tenha tentado isso também, provavelmente terminaria como uma das personagens de Desperate Housewives. O fato é que possivelmente eu tenha tentado me encaixar de todas as maneiras em todas as questões, mas nunca aconteceu, nunca rolou e eu nunca me senti encaixada.
Não sei para onde foi o potencial e a inteligência que falavam. Penso que sobrou apenas o suficiente para as piadas irônicas, as defesas bem armadas, para loucuras consideráveis e para entender que potencial é só mais uma palavra.
Tenho quase 30, mas de uma maneira muito familiar, me sinto uma senhora de 60 anos. Vivi quase todas as emoções, já gargalhei desesperadamente, já chorei insanamente, já mergulhei em todas as neuroses (minhas e dos outros), já fantasiei todas as histórias, realizei quase todas e revisitá-las, ora são fantasticamente boas, ora são feridas, que eu sei, abertas. Tenho inúmeras cicatrizes, no corpo e na alma. Tatuagens para me lembrar de vidas que já tive, máscaras que usei, nomes que eu própria me dei.
Hoje sobrou em mim e comigo uma imensurável vontade de fazer apenas o que eu quero (muita gente não entende, mas já mandei a tal da sociedade à favas também), e o que eu quero são aqueles poucos amigos, mas amigos incríveis, onde existe compreensão, um copo de whisky, uma cervejinha, cigarros, café, livros que me entendam e que seja recíproco, músicas que falem por mim e algumas surpresas.
E realmente, não acho pouco.