Ontem fui parar numa livraria e comprei "Pequenas Epifanias" de Caio Fernando Abreu. Embora já tenha lido muita coisa presente neste livro em outros, em maioria, coletâneas do autor, não faz diferença, porque Caio é um daqueles autores que conseguem falar por mim. E nesse trecho que transcrevo, ele fala de outros dois amores: a França e Camille Claudel.
Arte pura! Sentimento de gente bonita, alma escancarada (e dilacerada por dores humanas), mas que não se fechou no próprio umbigo e continuou procurando o que há de mais humano na condição humana. Ultimamente está bem difícil encontrar esse tipo de gente, e isso que é o mais dilacerante de tudo.
Existe sempre alguma coisa ausente - 03-04-1994
"Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame...na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços são totais que tornam-se horríveis...
...Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.
...Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: "Il y a toujours quelque chose d'absent qui me toumente" (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) - frase de uma carta escrita por Camille Claudel a Rodin, em 1886. Daquela casa, dizia a placa, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.
...Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar "ficar bem" dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve - fiquei bem. Que algo sempre nos falta - o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede faz parte. E atormenta.
...Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 19 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo".
5 comentários:
por que nossos 'heróis' e as pessoas mais bonitas sofrem tanto?
a obra que esse homem deixou é de uma riqueza e ao mesmo tempo de um sofrimento tamanho.
mas vou ser sincera querida, tem algumas dores que eu guardo mas não é em segredo exatamente porque dói muito. camille claudel me entenderia nesse caso.
beijo imenso
"Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão frequente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormir vezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack!como se fosse verdade, um beijo". C.F. Abreu.
Ultimamente é difícil encontrar esse tipo de gente mas você é uma delas.
Tem uma frase do Afonso Alvares que você gosta muito e eu também: "as pessoas bonitas têm algo em comum com os anjos: - são deste mundo?".
Caio é deste mundo? Você é deste mundo?
Levei muito susto quando li Caio a primeira vez, lembro que foi o Ovo Apunhalado e me doeu e fiquei assustada e decidi não ler mais nada dele mas no começo do ano ganhei o essencial da década de 70 e aí mergulhei de cabeça e até a dor pode ser bonita quando transcrita em palavras doces.
E eu já te mostri a foto que eu tirei no Quai de Bourbon em frente a casa de Claudel?
Beijos.
Não Lê, vc não me mostrou a foto e eu quero ver!!!
Tem vc sentada no banco também? rs
Beijos.
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