segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sonhos, outra história


E ele me diz que havia sonhado com um menino de seu passado e que conscientemente nem lembrava dele, e eu peço pra ele me contar sobre o sonho e a infância.

Sobre a infância: ele era um menino gordinho e desajeitado que usava um óculos vermelho, seus pais não tinham condições financeiras de dar os brinquedos que ele sonhava e depois da aula ele ia para a casa do tal menino que tinha uma irmã. Ele se dava bem com a menina, mas o garoto era um pouco mais velho e zombava dele, tinha todos os melhores e mais caros brinquedos mas não deixava meu amigo brincar, e ele voltava todos os dias humilhado pra casa. E o sonho foi apenas a reconstituição da realidade passada.

Hoje ele tem todos os livros que deseja comprar (os novos brinquedos) e já não é mais desajeitado, fez muita ginástica e ficou um homem bonito mas há dias ele tem reclamado de que não se sente bem fisicamente e com muitos problemas, nem emocionalmente.

Então, meu querido, o tal menino apareceu só para te dizer que no fundo, no fundo, você ainda é em parte aquele garoto que queria ser enturmado, descolado, bacana e cheio da grana. E mesmo que hoje você seja espetacular, infelizmente os fantasmas do nosso passado nos acompanham, todos os dias, consciente ou inconscientemente (você mesmo não acredita ser espetacular), porque a gente sempre está aquém daquilo que sonhamos e idealizamos ser.
Você não é bombeiro e eu não sou astronauta, e todas as histórias que contávamos deixou de existir, e muitas vezes, por um segundo, o que desejamos é ser uma pessoa completamente diferente do que a gente é. Porque ser todos os dias a mesma coisa, cansa, enjoa, maltrata...

E eu te amo tanto. Amo o gordinho que lia gibi e amo o homem inteligente e cínico que você se tornou.
Sempre amei.

"Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados...como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas...possuia o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria...
...mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho...comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia." Clarice Lispector em "A Felicidade Clandestina".

5 comentários:

Valentina disse...

Você sabe da minha história e sabe que essa que você contou se assemelha muito à minha e de repente senti amor por essa pessoa que eu não conheço e por você (ainda mais) e por alguma razão que eu sei eu comecei a chorar...

Anônimo disse...

Assim como a Valentina, me emocionei com a história, porque eu lembro de você falando das pessoas que você ama e do quanto você se emociona ao falar deles e como os seus olhos brilham e como às vezes voê chora, você ri, você lembra dos detalhes, você gesticula, enfim, você transborda de sensibilidade ao encontrar maneiras tão delicadas como esta para dizer que os amam.

E eu amo você. Muito.

Fernando Bassat disse...

Além de saber ouvir você é uma boa contadora de historias. Bonita essa.

Anônimo disse...

Olá,linda história.Leio seu Blog há algum tempo e já se tornou página obrigatória de leitura.Gostaria de entrar em contato com você,teria um email?
karinasantossjc@yahoo.com.br.

Lara Rodriguez disse...

Sou como a galera de cima também gostei!